Nota Técnica 005.
Condições e Índices de cumprimento normas de
isolamento social área rural: Povos Tradicionais: Indígenas, Ribeirinhos,
Quilombolas e outros.
Centro de Estudos
Superiores Tabatinga
Universidade do
Estado do Amazonas, CESTB/UEA
Instituto
Natureza e Cultura Benjamin Constant
Universidade
Federal do Amazonas INC/UFAM
Nota elaborada e
revisada até 26/05/2020.
1.
Os povos
tradicionais o caboclo e ou ribeirinho e os surtos epidêmicos
Para
contextualizar o sujeito da Nota Técnica proposta, vai-se discutir sobre os
grupos que moram na área rural e na várzea amazônica e sua experiência em
relação com as doenças epidêmicas. O camponês amazônico, caboclo ou ribeirinho,
consolida sua identidade a partir do século XIX com as desordens sociais da Cabanagem
(1835), o final da escravidão, e o declínio da extração da borracha.
Todas
estas desordens sociais trouxeram surtos de doenças como a varíola, febre
amarela e outros, em especial pela vinda pelo mar de tropas desde o Rio de
Janeiro, e ainda do exterior, para sufocar as revoltas dos cabanos, os escravos
e a chegada de nordestinos para atuar na atividade extrativa da borracha (6).
Estes
surtos do fim do século XIX, viram desde as cidades maiores e portuárias como
Belém, Santarém e Manaos, e se espalharam ao interior das cidades e vilas da Amazônia,
dá mesma forma como está acontecendo atualmente no século XXI, provocando,
nessa época, a fugida da população para dentro da floresta no casso dos
caboclos e seringueiros, e para os altos rios acima das cachoeiras no casso dos
escravos, cabanos e militares desertores fugidos, não entanto estes grupos
alternativamente dependendo da situação política e de saúde voltavam as
cidades. Será que esse comportamento está se repetindo atualmente.
Pode
se observar que, uma tática usada pela população para conter a epidemia, era
sair das áreas densamente habitadas, como vilas e cidades para o interior, a
sítios e vilas ou comunidades.
Esta
ação reflete profundas características do padrão de organização familiar,
econômico, social e cultural dos povos caboclos e ribeirinhos que ainda hoje
permeiam seu comportamento coletivo em relação as influências e mazelas que a
sociedade envolvente traz para eles, como o caso do vírus e a síndrome
respiratória aguda associada com ele.
3. Importância dos povos caboclos e
ribeirinhos para o desenvolvimento sustentável da floresta tropical amazônica
Ao
respeito dos habitantes nativos da planície inundável amazônica, Ana Roosevelt
em 1999, diz que muitos cientistas naturais têm uma visão do equilíbrio
ecológico da floresta amazônica na qual os habitantes nativos, sejam
recoletores ou agricultores, seriam lesivos para a manutenção da floresta
tropical intacta e para a preservação da biodiversidade (7), ao contrário das
populações indígenas.
Com
base nisto estes pesquisadores têm orientado suas pesquisas a paisagens onde a
influência humana em aparência nunca chegou (8), usualmente localizadas em
Terras Indígenas e Unidades do Sistema de Unidades de Conservação, deixando de
lado as áreas de ocupação ribeirinha ou quilombola.
Dessa
mesma forma observa-se neste momento de epidemia que muitos pesquisadores e
gestores estão preocupados com a situação ao interior de Terras Indígenas e
Unidades do Sistema de Conservação da Natureza deixando de lado extensas áreas
de moradia e posse cabocla e ribeirinha para a intervenção prevenção, controle
e monitoramento do surto epidêmico.
De
outro lado autores como Darrell Posey em 1992 e Brookfield & Padoch em
1994, expõem a grande importância destes grupos no uso secular das paisagens,
habitats e espécies vegetais e animais das florestas e em geral no sustimento
da floresta tropical (9).
Com
o decorrer do tempo estes grupos foram reconhecidos como “povos tradicionais
amazônicos”, gerando-se com isso uma controvérsia ao respeito da identidade e o
papel do camponês amazônico nas relações com a floresta amazônica e sua
utilização sustentável.
Este
reconhecimento obrigou a avaliar a extensão da presença deste grupo na região e
seu papel ecológico e político, na redefinição da sua identidade com base no
seu uso permanente da biodiversidade, como também seu direito a ser sujeito de
políticas públicas específicas e agora atenção especial no momento deste surto
epidêmico.
O
grupo de interesse desta Nota Técnica é aquele de camponeses localizados na
região da várzea amazônica que mantém um regime de existência que envolve o uso
tradicional da biodiversidade.
Assim
caberia a pergunta: todo camponês amazônico seria um caboclo ou ribeirinho? Ou
precisa-se que este camponês use intensivamente a biodiversidade para ser
considerado como povo tradicional do ambiente amazônico? Será que estes grupos
precisam de uma atenção diferenciada em tempos de pandemia ao igual que os
povos indígenas. A resposta inicial
seria que não necessariamente, nem todo caboclo pode ser considerado como
camponês, se deve atender para o conjunto das influências que pesam sobre estes
grupos para definir suas escolhas.
A posse de conhecimentos sobre o uso da
biodiversidade e a natureza amazônica separa o caboclo tradicional dos
camponeses em geral da Amazônia. O caboclo costuma localizar-se nas atividades
que permitem a ele uma maior liberdade em relação com influências exteriores,
como por exemplo o trabalho assalariado, e o adensamento compulsório,
dependência de recursos exógenos e uso de fontes de energia local, facilitando
a manutenção de sua identidade e formas próprias de organização social e de
produção, favorecendo uma resposta de migração temporal para áreas não
adensadas rurais no caso de um surto epidêmico.
O
uso de recursos materiais locais que até agora não eram objeto de disputa com
outros grupos, como é o caso das áreas da planície de inundação e sua
biodiversidade, permitia que eles não fossem submetidos a grandes pressões de
integração na sociedade maior. Este quadro tem mudado significativamente, pelo
que é possível que esta tática de desaglomeração da população camponesa
amazônica já não seja mas tão viável como em tempos antigos.
Como
as informações de censo nacional não discriminam entre população tradicional
[não-moderna] e não tradicional [moderna] ou ainda entre ribeirinhos do rio
Amazonas e moradores da terra firme ou citadinos, vai-se discutir a importância
quantitativa desta categoria social localizando-a dentro da mais ampla
categoria do campesinato regional.
Segundo
o Censo Agropecuário (10), o campesinato na Amazônia identifica-se quando a
participação da força de trabalho familiar na produção atinge 92 a 99% do total
da mão de obra
utilizada na produção
de alimentos ou agricultura familiar.
Esta
faixa social segundo o censo localiza-se nos lotes de extensão entre 0 até 200
ha, segundo o critério de tamanho da propriedade. O trabalho assalariado
permanente só atinge nesta faixa social cerca de 3% do total, no intervalo de
tamanho de propriedade de 0,5 a 114 há indicando a baixa penetração de relações
de tipo comercial ou capitalista nestas comunidades imperando relações de tipo
familiar e comunitário, que afetam as formas como o poder público deve fazer as
intervenções de controle e prevenção de doenças.
A
organização familiar do trabalho é a característica definidora do campesinato (11).
Os camponeses estabelecem-se e são proprietários e ocupantes de terras onde a
organização familiar é o articulador da produção, a reprodução e o consumo
através da sua força física de trabalho (12) aplicada nos bens da natureza.
Esta
faixa de tamanho de propriedade associa-se fortemente com atividades produtivas
que envolvem maciçamente a biodiversidade como a roça, a pesca artesanal, os
quintais e sítios, a manufatura, e as atividades de pequeno comercio fluvial
intermunicipal que atendem a preservação da natureza com uso sustentável.
O
anterior não significa que o camponês não possua uma perspectiva de lucro
monetário, porem o ganho do lucro está subordinado às limitações que a mão de
obra familiar impõe e as relações de reciprocidade familiar e comunitária, que
geram uma relação com os mercados locais monetizados provocando o deslocamento
para as vilas e cidades de forma esporádica induzindo conexões que favorecem a
transmissão de doenças infeciosas.
Disponivel em :
https://www.academia.edu/s/6a005aef71? source=link
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