terça-feira, 26 de maio de 2020

Prevenção Controle e Monitoramento do surto do Coronavirus (SARS-CoV-2) gerador da doença Covid-19 no Amazonas, Amazônia, Brasil. Nota Técnica 005. Condições e Índices de cumprimento normas de isolamento social área rural: Povos Tradicionais: Indígenas, Ribeirinhos, Quilombolas e outros.


Nota Técnica 005.

Condições e Índices de cumprimento normas de isolamento social área rural:  Povos Tradicionais: Indígenas, Ribeirinhos, Quilombolas e outros.      


Prof. Dr. Camilo Torres Sanchez  ctsanchez@uea.edu.br
                                                                  camilo.sanchez.torres@gmail.com 
Centro de Estudos Superiores Tabatinga
Universidade do Estado do Amazonas, CESTB/UEA

Profa. Msc. Maria Francisca Nunes de Souza mfranci22@yahoo.com.br
                                                                                     mfranci@ufam.edu.br 
Instituto Natureza e Cultura Benjamin Constant
Universidade Federal do Amazonas INC/UFAM


Nota elaborada e revisada até 26/05/2020.


1.     Os povos tradicionais o caboclo e ou ribeirinho e os surtos epidêmicos



Para contextualizar o sujeito da Nota Técnica proposta, vai-se discutir sobre os grupos que moram na área rural e na várzea amazônica e sua experiência em relação com as doenças epidêmicas. O camponês amazônico, caboclo ou ribeirinho, consolida sua identidade a partir do século XIX com as desordens sociais da Cabanagem (1835), o final da escravidão, e o declínio da extração da borracha.

Todas estas desordens sociais trouxeram surtos de doenças como a varíola, febre amarela e outros, em especial pela vinda pelo mar de tropas desde o Rio de Janeiro, e ainda do exterior, para sufocar as revoltas dos cabanos, os escravos e a chegada de nordestinos para atuar na atividade extrativa da borracha (6).

Estes surtos do fim do século XIX, viram desde as cidades maiores e portuárias como Belém, Santarém e Manaos, e se espalharam ao interior das cidades e vilas da Amazônia, dá mesma forma como está acontecendo atualmente no século XXI, provocando, nessa época, a fugida da população para dentro da floresta no casso dos caboclos e seringueiros, e para os altos rios acima das cachoeiras no casso dos escravos, cabanos e militares desertores fugidos, não entanto estes grupos alternativamente dependendo da situação política e de saúde voltavam as cidades. Será que esse comportamento está se repetindo atualmente.

Pode se observar que, uma tática usada pela população para conter a epidemia, era sair das áreas densamente habitadas, como vilas e cidades para o interior, a sítios e vilas ou comunidades.

Esta ação reflete profundas características do padrão de organização familiar, econômico, social e cultural dos povos caboclos e ribeirinhos que ainda hoje permeiam seu comportamento coletivo em relação as influências e mazelas que a sociedade envolvente traz para eles, como o caso do vírus e a síndrome respiratória aguda associada com ele.



3.         Importância dos povos caboclos e ribeirinhos para o desenvolvimento sustentável da floresta tropical amazônica

Ao respeito dos habitantes nativos da planície inundável amazônica, Ana Roosevelt em 1999, diz que muitos cientistas naturais têm uma visão do equilíbrio ecológico da floresta amazônica na qual os habitantes nativos, sejam recoletores ou agricultores, seriam lesivos para a manutenção da floresta tropical intacta e para a preservação da biodiversidade (7), ao contrário das populações indígenas.

Com base nisto estes pesquisadores têm orientado suas pesquisas a paisagens onde a influência humana em aparência nunca chegou (8), usualmente localizadas em Terras Indígenas e Unidades do Sistema de Unidades de Conservação, deixando de lado as áreas de ocupação ribeirinha ou quilombola.

Dessa mesma forma observa-se neste momento de epidemia que muitos pesquisadores e gestores estão preocupados com a situação ao interior de Terras Indígenas e Unidades do Sistema de Conservação da Natureza deixando de lado extensas áreas de moradia e posse cabocla e ribeirinha para a intervenção prevenção, controle e monitoramento do surto epidêmico.

De outro lado autores como Darrell Posey em 1992 e Brookfield & Padoch em 1994, expõem a grande importância destes grupos no uso secular das paisagens, habitats e espécies vegetais e animais das florestas e em geral no sustimento da floresta tropical (9).

Com o decorrer do tempo estes grupos foram reconhecidos como “povos tradicionais amazônicos”, gerando-se com isso uma controvérsia ao respeito da identidade e o papel do camponês amazônico nas relações com a floresta amazônica e sua utilização sustentável.

Este reconhecimento obrigou a avaliar a extensão da presença deste grupo na região e seu papel ecológico e político, na redefinição da sua identidade com base no seu uso permanente da biodiversidade, como também seu direito a ser sujeito de políticas públicas específicas e agora atenção especial no momento deste surto epidêmico.

O grupo de interesse desta Nota Técnica é aquele de camponeses localizados na região da várzea amazônica que mantém um regime de existência que envolve o uso tradicional da biodiversidade.

Assim caberia a pergunta: todo camponês amazônico seria um caboclo ou ribeirinho? Ou precisa-se que este camponês use intensivamente a biodiversidade para ser considerado como povo tradicional do ambiente amazônico? Será que estes grupos precisam de uma atenção diferenciada em tempos de pandemia ao igual que os povos indígenas.  A resposta inicial seria que não necessariamente, nem todo caboclo pode ser considerado como camponês, se deve atender para o conjunto das influências que pesam sobre estes grupos para definir suas escolhas.

 A posse de conhecimentos sobre o uso da biodiversidade e a natureza amazônica separa o caboclo tradicional dos camponeses em geral da Amazônia. O caboclo costuma localizar-se nas atividades que permitem a ele uma maior liberdade em relação com influências exteriores, como por exemplo o trabalho assalariado, e o adensamento compulsório, dependência de recursos exógenos e uso de fontes de energia local, facilitando a manutenção de sua identidade e formas próprias de organização social e de produção, favorecendo uma resposta de migração temporal para áreas não adensadas rurais no caso de um surto epidêmico.

O uso de recursos materiais locais que até agora não eram objeto de disputa com outros grupos, como é o caso das áreas da planície de inundação e sua biodiversidade, permitia que eles não fossem submetidos a grandes pressões de integração na sociedade maior. Este quadro tem mudado significativamente, pelo que é possível que esta tática de desaglomeração da população camponesa amazônica já não seja mas tão viável como em tempos antigos.




Como as informações de censo nacional não discriminam entre população tradicional [não-moderna] e não tradicional [moderna] ou ainda entre ribeirinhos do rio Amazonas e moradores da terra firme ou citadinos, vai-se discutir a importância quantitativa desta categoria social localizando-a dentro da mais ampla categoria do campesinato regional.

Segundo o Censo Agropecuário (10), o campesinato na Amazônia identifica-se quando a participação da força de trabalho familiar na produção atinge 92 a 99% do total da mão de obra
utilizada na produção de alimentos ou agricultura familiar.

Esta faixa social segundo o censo localiza-se nos lotes de extensão entre 0 até 200 ha, segundo o critério de tamanho da propriedade. O trabalho assalariado permanente só atinge nesta faixa social cerca de 3% do total, no intervalo de tamanho de propriedade de 0,5 a 114 há indicando a baixa penetração de relações de tipo comercial ou capitalista nestas comunidades imperando relações de tipo familiar e comunitário, que afetam as formas como o poder público deve fazer as intervenções de controle e prevenção de doenças.

A organização familiar do trabalho é a característica definidora do campesinato (11). Os camponeses estabelecem-se e são proprietários e ocupantes de terras onde a organização familiar é o articulador da produção, a reprodução e o consumo através da sua força física de trabalho (12) aplicada nos bens da natureza.

Esta faixa de tamanho de propriedade associa-se fortemente com atividades produtivas que envolvem maciçamente a biodiversidade como a roça, a pesca artesanal, os quintais e sítios, a manufatura, e as atividades de pequeno comercio fluvial intermunicipal que atendem a preservação da natureza com uso sustentável.

O anterior não significa que o camponês não possua uma perspectiva de lucro monetário, porem o ganho do lucro está subordinado às limitações que a mão de obra familiar impõe e as relações de reciprocidade familiar e comunitária, que geram uma relação com os mercados locais monetizados provocando o deslocamento para as vilas e cidades de forma esporádica induzindo conexões que favorecem a transmissão de doenças infeciosas.


Disponivel em :

https://www.academia.edu/s/6a005aef71?       source=link





Nenhum comentário:

Postar um comentário