Este trabalho de tese de pesquisa desenvolveu uma reflexão sobre a modernização e a modernidade do mundo da vida no contexto da planície de inundação amazônica e mais especificamente o estuário amazônico e o arquipélago de ilhas de Belém do Para. A reflexão passou pela interpretação do mundo da vida neste local e seu processo de formação estrutural, numa abordagem lógica e histórica, que foi adotada depois de revisar as perspectivas teóricas que entendem o mundo da vida como uma formação, uma estrutura, um sistema e finalmente como um contexto de comunicação e informação, ou seja uma formação estrutural. Adotou-se a perspectiva formativa estrutural do mundo da vida, que ajudou a avançar na reflexão sobre os processos básicos da formaestrutural: a individualização humana e a diversificação das espécies, discutindo-se sua origem, processo e relações no marco dos processos da modernidade e da modernização. Finalmente estas teses foram tratadas para a situação brasileira e amazônica e acomodadas na interpretação dos dados e informações das fontes analisadas sobre a formação (histórica) estrutural (lógica) do mundo da vida no planície amazônica.
Pretendeu-se com a analise destas categorias formular uma narrativa ambiental sobre a diversidade do mundo da vida no planície amazônica, segundo a formação histórica e a estruturação lógica das esferas do mundo da vida humana e do mundo da vida natural no estuário, sintetizados no processo de mercadorização. A mercadorização envolve o processo de instauração dos usos e trocas dos objetos e sujeitos no estuário, pelas agrupações indígenas, as ordens religiosas e missionários, as cidades e vilas coloniais e seus colonos, os afro-americanos e os engenhos da agricultura predatória e os viajantes, naturalistas e cientistas e suas instituições, e finalmente a tentativa da implantação do equivalente geral no estuário. Esta tentativa envolve o debate sobre o sucesso ou fracasso da fixação dos europeus na planície e a resistência dos moradores amazônicos e a atuação dos objetos da diversidade do mundo natural neste processo, sejam de origem amazônica ou não. Essa reflexão e interpretação serão realizadas na situação especifica de arvores e arbustos de origem amazônica e não amazônica. A Manga (Mangifera indica L.), o Café (Coffea arabica L.), o Cupuaçu ( Theobroma grandiflorum (Wild. ex Spring) Schum), e o Açaí (Euterpe oleracea Mart.) e outras como a Mandioca (Manihot esculenta Crantz), e a Borracha (Hevea brasiliensis L. ), foi documentado e cartografado este processo de mercadorização durante a invasão e seu percurso no estuário amazônico. Esta perspectiva da formação estrutural ajudou a analisar na situação material atual e local, as propostas tecnocientificas que explicam o processo da diversificação do mundo da vida, e as políticas de uso desta diversidade, e suas conseqüências para a mercadorização da vida no estuário. Esta interpretação mostrou que, existem visões de mundo antagônicas no processo de formação estrutural do mundo da vida no estuário. Onde redes sociotecnicas formadas pelos sujeitos-objetos da diversidade do mundo participam antiteticamente na mercadorização do mundo da vida no estuário. Os diferentes agentes mostrados acima desenvolvem praticas que afetam a relação entre fatos, poder e discurso no estuário, gerando uma malha sociotecnica híbrida que reconstitui conflitivamente aquilo que foi separado pelos sujeitos na mercadorização.
No setor do estuário amazônico estudado, as instituições e indivíduos que exercem as praticas de purificação e tradução do mundo da vida natural ao mundo da vida humana, e que separam estas duas esferas da realidade, foram indagados seguindo os princípios derivados da etnografia simétrica, cartografando as redes criticas e as redes técnicas que praticam a cisãofusão dos valores de uso e troca no local e atual do estuário.
Foi verificado que o discurso da relação entre biodiversidade e sociedade não responde à dimensão da problemática colocada pela dualidade entre modernização e modernidade do mundo da vida no estuário amazônico. Este discurso na sua componente disciplinar impõe divisões nas abordagens sobre a problemática dificultando a compreensão real das redes que formam o mundo da vida e facilitando sua erosão.
Neste trabalho foram identificadas as unidades fundamentais do processo de formação estrutural do mundo da vida qual sejam o indivíduo humano e a espécies viva num entretecido que parte dos microprocessos em espaço e tempo da individualização e da diversificação para chegar a conformar uma formação estrutural plena de sentido para os moradores históricos do estuário amazônico.
A formaestrutural no estuário amazônico sofre a atuação do processo de modernização pela mercadorização da suas formas vivas com o uso das biotécnicas modernas. Este processo utiliza e oculta as redes simbólicas de domesticidade criadas pela ação recíproca entre indivíduos e espécies no estuário. Assim o morador tradicional da região é sutilmente expropriado de seus criações, produções e referentes sem receber reconhecimento por isto. Este desocultamento técnico desoculta tanto as espécies como os moradores tradicionais do estuário. O mais perverso deste processo é que verifica-se partindo desde propostas que supostamente vão conservar, modernizar, planejar, manejar os recursos da biodiversidade reconhecendo os benefícios para estes moradores locais.
Isto principalmente causado pela sobrevalorização que tem sido dada aos discursos tecnocientíficos na região, supondo que são isentos de interesse político econômico e ainda cultural.
Os moradores regionais com o decorrer da invasão europeia desenvolveram táticas de confrontação das agressões mais diretas porém para estes novos tipos de agressão ainda não existe organização local e comunitária que possa dar resposta. Um cientista na região do estuário, para bem ou para mal, é um agente econômico, político e cultural de um projeto de modernização que agride de formas incruentas mas não por isso menos perigosas a unidade da formação natural estuárina. Os anti-políticos escritórios dos biocientistas e bioengenheiros são o novo campo de batalha entre a não modernidade e a modernização.
Por isso foi identificada uma alternativa de periodização das formas estruturais presentes durante este processo, que correspondem as etapas da implantação das formas da mercadoria e o avanço do conhecimento da ciência ocidental da região. Estas formas estruturais são tentativamente, a modernizante-iluminista mercantil mundializada -MIM, a nacionaldesenvolvimentista industrial –NDI, e a tecnocientifica informacional globalizada –TIG.
A formação estrutural estudada concretiza-se em uma institucionalidade que participou e participa na promoção das várias formas de mercadorização da espécies e da diversidade da vida amazônica, que foram identificadas e descritas ao longo do percurso desta tese sendo a Companhia de Comercio do Grão Pará e Maranhão exemplo da modernizante iluminista mercantil mundializada, a EMBRAPA representante da nacional-desenvolvimentista industrial e a Nova Amafrutas exemplo da tecnocientifica informacional globalizada. As espécies estudadas foram incorporadas de maneiras convergentes dentro de esta formação estrutural, o que permite afirmar estas fases da trajetória como momentos relevantes da história ambiental e da ecologia política regional.
Contra o que se afirma da Amazônia nos discursos do desenvolvimentismo e da globalização ser uma terra do amanha. A Amazônia é uma terra do ontem, do hoje e do amanha. No mesmo local, momento, objetos, coisas e palavras. Não é uma fonte de riqueza e oportunidades econômicas ilimitadas. É uma fonte de riquezas limitadas que precisam ser construídas criando e aproveitando as vantagens locais e regionais. Estas riquezas não somente são econômicas, mas também de conhecimento, tipos de organização familiar e social, objetos e palavras novas, e por fim novos significados e subjetividade. A própria existência da floresta, e sua contemplação, já constitui uma riqueza enorme.
A historia ambiental e a ecologia política das espécies estudadas mostram como suas
trajetórias na região deixaram intactas as formas e estruturas fundamentais da sua conformação,
existem ate hoje e afetam o futuro da formaestrutural do estuário amazônico. A mercadorização
do mundo da vida e sua diversidade é um processo continuo, gradual e coexistente, e portanto
complexo. Este processo progride por varias trajetórias traçadas pelos objetos e sujeitos, as vezes
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conflitantes, as vezes anterogradas. Configurando um cenário de conflito pelos significados,
palavras, coisas, objetos, sujeitos e no final a luta pela vida.
Esta formaestrutural naturaliza o que antes era considerado anti natural como uma fruta de
manga produzida com uso de meios químicos agressivos a saúde humana como hormônios de
crescimento. Trata-se como natural produtos compostos principalmente por compostos químicos
derivados do petróleo que substituem propriedades da espécies original como o cheiro, a cor, o
sabor, poder curativo e ainda substituindo a própria imagem da espécie, como no caso da mistura
de polpa de açaí com cafeína, banana, chocolate que ainda assim é nomeada como açaí. O
cupuaçu neste processo de mercadorização é tratado de forma análoga ao Cacau perdendo parte
de sua identidade e retrasando sua incorporação na rede sociotêcnica.
A quebra de uma trajetória extrativo - produtiva florestal na formação estrutural
amazônica que partiria da borracha, e que chegaria a um grande conjunto de derivados e
produções associadas de tipo arbóreo, na sua maioria, pois a natureza biológica da borracha
obrigaria a instalação ao redor dela de um conjunto de espécies arbóreas que seriam extraídas e
produzidas. Como seria a situação da Castanha do Pará e vários tipos de frutas como Açaí,
Cupuaçu, Manga e outras. Levou a instalação de uma outra trajetória, que parte da extração
predatória de madeira, minérios e biomassa que não tem conseguido ainda criar um conjunto
associado de produções ao redor dela, simplesmente porque se atua sobre a matriz básica que
sustenta a produtividade amazônica que é a floresta, que serve de berço a borracha, por exemplo.
Reproduzindo em parte as características do seringal do apogeu que foi o modelo que em última
instancia instalou-se na produção de borracha amazônica.
Se os índios, ribeirinhos, caboclos e afrodescendentes e sem terras que se opunham e
opõem ainda à mudança a fim de preservar uma certa aparência de autonomia e seu modo de vida
costumeiro, ou os comerciantes e empresários que lutavam e lutam por preservar seu “arcaico”
sistema de produção, comercialização, consumo e acumulação, parecem algo retrógrados e
equivocados, deve-se ter em mente que uma mudança descontrolada, em uma formação natural
muito dinâmica como a da Amazônia pode ser mais desastroso do que a mera estagnação.
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A orla de Belém reflete com muito a estrutura da formação do estuário problema da
dualidade no desenvolvimento o “cálice duplo” onde o setor modernizado se enfrenta ao setor
não modernizado da forma estrutural e cria uma área de escuridão onde todo tipo de pratica e
processo de criação de valor e riqueza fictícia acontecem. Os modernos falam de grandes lucros
partindo dos não modernos e os não modernos parecem lucrar muito com o intercâmbio com os
modernos se isso não for assim de onde vem o capital e a acumulação de duas partes da natureza
e do capital ilegal valorizados anomicamente.
Isto acontece imerso na formação natural do estuário amazônico que tem sido reconhecida
nesta tese como um refugio de flora pleistocênico e ainda como um centro de diversificação
biológica de Vavilov, que tem mantido condições estáveis de estruturação durante milênios
facilitando manutenção de uma flora e fauna durante um longo período o que pela sua vez
permitiu a síntese cultural necessária para criar a estrutura social local.
Nesta tese se apresentam as provas que demostram que no estuário amazônico a invasão
européia sofreu grandes dificuldades para seu avanço provocadas pela própria natureza biofísica
do estuário como da aliança entre os moradores locais e a formação natural regional. Como
resultado da aliança milenar entre os moradores locais e as formações naturais estuárinas. Aliança
tal que nem com o apoio das máquinas ferramentas de origem industrial os povos descendentes
dos europeus tem conseguido impor-se ao meio natural e moradores originais do estuário
amazônico.
A formação estrutural do mundo da vida no estuário amazônico apresenta três formas: a
modernizante-iluminista mercantil mundializada da qual são representantes a mangueira e o café,
a nacional-desenvolvimentista industrial da qual é exemplo o cupuaçu e a tecnocientifica
informacional globalizada que tem o açaí como representante. Estas formas se dispõem na rede
sociotêcnica de forma diferenciada nos níveis de naturalização (científicos), de socialização
(jurídicos e políticos) e de deconstrução (mediáticos), como já foi mostrado no decorrer desta tese
de doutorado.
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Nos estudos de caso analisados nos municípios de Gurupá para o açaí, Bujaru para o café,
a cidade de Belém e a Ilha de Cotijuba para a manga e a falta de um estudo local para a situação
do cupuaçu permitiram entrever como formas tradicionais de conhecimento, produção,
distribuição, consumo e referência a respeito das espécies estudadas são utilizadas pelos
moradores locais do estuário como parte de estratégias de resistência frente ao avanço das três
formasestruturais identificadas aqui. Deve-se reconhecer que existe uma ampla disputa pelo
domínio do açaí, do café, do cupuaçu e da manga no estuário amazônico, que envolve conflitos
pelo que sabe-se, legisla-se, produz-se, comunica-se e imagina-se entorno destas espécies da
flora, onde agentes de pesquisa tecnocientífica estatais e empresariais constituem a ponta de lança
desta sutil agressão.
O contexto onde as redes de domesticidade da formação estrutural que existem fica mais
evidente esta nas formas de produção de sentido sobre o mundo da vida no estuário, nas imagens
musicais, fotográficas, poéticas que colam-se inadvertidamente nas supostamente objetivas
produções cientificas, jurídicas, econômicas e artísticas que as elites criam para desocultar e
seqüestrar os atributos das formas do mundo da vida. Isto não significa que pelo fato de ser
imagens estas formas de produção de sentido deixem de ser fontes de conhecimento, poder,
riqueza e hegemonia para quem consegue expropriar seus criadores e orienta-las dentro do
processo de desocultamento técnico e mercadorização.
Cada espécie utilizada deve ser discutida como um sujeito-objeto da uma fase da
formação estrutural, ao igual que as frutas estas fases coexistem nos quintais, praças e sítios do
estuário trazendo de volta o passado, fazendo o presente e configurando o futuro da formação
estrutural. Como já foi mostrado estas frutas no presente são submetidas a processos de
intervenção técnica de diferentes ordens, processos jurídicos e estratégias de pesquisa científica
que dependem da trajetória histórica da espécie e as lógicas que sua origem biológica define. As
próprias técnicas utilizadas com es espécies vegetais são sinais de momentos da formação
estrutural desde a manipulação do corpo da planta, passando pela utilização de compostos
químicos derivados do petróleo, ate as técnicas de manipulação genética.
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Nesta tese se utiliza de uma maneira inovadora a Teoria Crítica para tecer elos entre a
teoria filosófica, social, ecológica e botânica que contribuam para enfrentar os dilemas que o
processo de modernização da planície inundáveis amazônica traz para seus moradores locais.
Para isso foi feita uma revisão histórica e lógicas das idéias sobre a natureza e sociedade. Esta
reflexão levou a formulação da idéia de formaestrutural que integra lógica e historicamente
conceitos das ciências naturais e sociais
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