segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

SCHWARTZ, MADALENA. VENDEDOR DE MANGA, ICOARACI, BELEM, PARA,BRASIL (1981)




    Um dos locais onde acontece o momento de contato entre o estuário rural não –moderno e o estuário urbano modernizado são os portos de Belém, o mercado de Ver-o-Peso, na tradicional feira-do-açaí e outros portos menores como o porto de Icoaraci. Nestes locais acontece a fase de descarrego, preparação da venda e a fase de venda das frutas que são os dois momentos da entrada das frutas na cidade, neste caso a manga e o açaí, na cidade de Belém. 

    A manipulação da manga e a movimentação do açaí em recipientes de uma palha especial similares um a outro é um momento importante deste processo. Ali se pode entrever uma serie de conflitos entre o moderno e o não moderno materializados no uso ou não de embalagens de palha ou de plástico para armazenar as frutas.  As embalagens de PVC já representam 30% das caixas para transporte e acondicionamento de frutas nos supermercados, informa o presidente da Associação Paulista dos Supermercados (APAS), Sussumu Honda. "A possibilidade de reaproveitamento, a diminuição do desperdício e principalmente a higienização, fizeram com que os supermercados optassem por esse tipo de produto", diz. Já no Pará a utilização majoritária é de embalagens feitas de fibras vegetais e no ano de 2004 foram objeto de fortes críticas por setores interessados na sua substituição por embalagens de plástico. As caixas de PVC são 100% recicláveis mas podem ser reutilizadas inúmeras vezes. É só lavar.

 Além disso, preservam o aroma e o gosto natural das frutas. Estudos da APAS apontam que, para a indústria de alimentos, as caixas de PVC são muito importantes no combate ao desperdício. A falta de condições ideais de armazenagem provoca a perda de 23% da produção nacional de frutas antes de chegar ao consumidor final. Isto significa que 13 milhões de toneladas, avaliadas em aproximadamente R$ 4 bilhões, são perdidas devido às más condições de acondicionamento. Só que ainda não é conhecida uma avaliação comparativa entre estas embalagens e seu impacto nos custos de produção do ribeirinhos.

 Neste momento de aportamento no porto da feira do açaí se descarregam todas as atitudes dos moradores ribeirinhos na sua relação com os moradores da urbe. Momento de prova física para os jovens que carregam de diversas formas os paneiros de açaí e de manga. Passagem do meio aquático para o meio terrestre. Da juventude para a maturidade. A manga e o açaí são seu peso demonstrando sua virilidade e amadurecimento. O recipiente onde se carrega a fruta passa a ser o objeto de interesse nas suas possibilidades de carregar os pesos e as qualidades dos objetos neste caso as frutas. Ao ponto do tratamento dispensado ao açaí e a manga não ser muito diferente somente que pela maior valorarão do açaí este utiliza paneiros mais finos e de menos idade. 

Momento de reflexão e preparo para os mais os homens velhos que organizam as frutas em grupos demora quase quatro horas. Passagem da posse usuária a posse de troca. Avaliam-se as vantagens de cada variedade da espécie em termos de sua troca monetária. A manga e o açaí são seu qualidade alimentar.  Momento de intensa atividade incontrolada onde juntam-se as negociações rápidas e o transporte rápido das frutas denotando o mudança de mãos das frutas, dura no máximo uma hora. Momento da comercialização e troca monetária. Participação feminina visível e discreta. A manga e o açaí são seu preço. 

    A Fotógrafa responsável pela imagem, Magdalena Isabel Mandel de Schwartz nasceu em Budapeste, Hungria 1923 e faleceu em São Paulo em 1993, radicou-se em São Paulo, em 1960, vinda da Argentina, onde havia vivido desde 1936. Foi dona de uma lavanderia no centro da capital paulista antes de começar a trabalhar profissionalmente com fotografia no início da década de 70, depois de ter feito seu aprendizado técnico no Foto-Cine Clube Bandeirante, no qual ingressara em 1966. Destacou-se como retratista, tendo trabalhado para a Rede Globo de Televisão entre 1979 e 1991. Considerada a grande dama do retrato contemporâneo no Brasil, participou de diversas exposições e salões internacionais. Mereceu uma homenagem póstuma da Fundação Nacional de Arte (em associação com a editora Companhia das Letras), em 1997, com a publicação do livro Personae, com retratos de sua autoria.

         Segundo seus críticos é impressionante como Madalena Schwartz fixa a fisionomia das pessoas que fotografa. Como acerta fotograficamente, uma imagem da gente do Brasil. É difícil achar quem poderia pensar nisso, nem por onde começar, voando e parando na imensidão onde o povo está espalhado, escondido no verde dos campos ou agitado entre as paredes de concreto das metrópoles. Gente que trafega, trabalha, pensa e sonha: quem vai enquadrar e fotografar. Foi Madalena a se envolver, ingênua e audaz, na tarefa. Pode ser que como conseqüência de seu contínuo itinerar de reportagens, vendo e revendo caras, registrando-as para outros e para si. 

        Especialmente para seu próprio arquivo (...) Madalena se propõe, nesta andança fotográfica da gente brasileira, a agrupar elementos desde os de linhagem, sustentados pelas empresas coloniais, até os desembarcados pela avalanche das imigrações, fugindo da Europa ou vindo à procura de fortuna: pessoas registradas em instantâneos, um panorama (...). Madalena escolheu sem escolher: acertou o povo de qualquer origem, os humildes e os que se tornaram famosos no olimpo do esporte ou no fechado setor da cultura, recompondo o Brasil. Cada um pode encontrá-lo e representá-lo como vê, crê e ama. Ela o viu, nele acreditou e o amou à sua cordial maneira. " 

        Seguindo essa linha de interpretação as mangas na fotografia realizada em 1981, são trazidas pelo homem dentro de uma canasta de fibra vegetal igual as usadas para o transporte do açaí. Canasta que atualmente esta sendo questionada como imprópria para seu uso no novo mundo das frutas modernizadas e substituída por uma embalagem quadrada de plástico. As mangas na imagem estão manchadas povoadas por algum fungo ou parasita, só por isso seriam impróprias para serem exportadas fora do Brasil, mas são fundamentais na dieta dos moradores da cidade de Belém. Pela expressão de força dos braços do homem o canastro esta bastante pesado, quem sabe alem dacapacidade física deste homem que sobre explorado, por se mesmo, se mantém livre do novo mundo assalariado. O peso das frutas não impede do homem mostrar o sorriso discreto e franco de quem esta dando ou doando algo precioso, será a vida transmitida no alimento extraído da seu sitio alagadiço. 

        Ou a doação ou troca de um objeto de forma livre mesmo que autoexplorada. Atras vem-se cerca de 50 canastros denotando a possibilidade de existir lá no sitio do caboclo muito mais que essas cerca de 100 mangas. O cabelo escuro e a pele parda a pesar do branco e preto da fotografia mostram a naturalidade do homem, o rio a água e o sol. A mão que esta a mostra, abaixo do cesto das mangas, revelando o corpo de outro homem na embarcação denuncia a filiação católica dos tripulantes do barco. O anel na mão izquerda deste homem o prova.

        As mãos delicadas, frágeis em aparência, agarram o cesto com cuidado e perícia. Esse mesmo desenho de cesto só que com um olho de menor diâmetro é utilizado para carregar açaí. O próprio homem põe a frente de si o canastro de mangas mostrando que para ele o importante é esse canastro abundante cheio de mangas. O ator principal desta trama é a transmissão da vida em forma de fruta ou de ser humano.

        Será que o barco ancorado do lado chama-se “Salém” ou “Jeru-salém”, rememorando as bruxas e os inquisidores que ainda agora através das palavras digladiam-se no mundo real, bruxas do mercado e inquisidores da ciência que cercam de cadeias a estes moradores ribeirinhos.

        Madalena Schwartz foi cobrir um Congresso Internacional de Bruxas na cidade de Bogotá no ano de 1975. Será que as mangas da fotografia são representantes ou ícones de um mundo da vida humana e natural marginal, pagão e mestiço que entra na cidade central, católica e branca, através desses barcos de madeira. Seu doce amarelo manga contamina as pessoas com esse mundo escuro e mágico escondido no meio das arvores de manga dos quintais das ilhas do estuário.
Pelo aspecto do contexto no fundo da imagem observa-se que a ação foi registrada numa das ilhas frente da cidade num igarapé pode ser a ilha das Onças ou a Trambioca. O barco virado na direção da jusante do igarapé indica que a maré esta vazando. Esse pano de fundo é característico da totalidade do estuário amazônico.
Ao igual que a continuidade entre as águas do estuário, os furos, igarapés e grandes rios que conformam a planície de inundação amazônica, a continuidade entre o mundo da vida humana e natural somente será garantida se existir uma interdigitação entre as formas vegetais de um mundo e outro, e forem similares preservando as conexões entre a fauna e seus hábitos alimentares e de moradia e dos seres humanos e seus hábitos de alimentação, moradia, lazer e crenças.

        A fotografa reconheceu a importância da relação entre o barco e o canastro de mangas ao compor a fotografia incluindo o barco como fundo de perspectiva e profundidade da ação principal que é a mostra que o homem faz do recipiente com as mangas. Mas será que ela se deu conta de que havia passado a fazer parte do mundo da vida amazônico? Será que a fotografa Madalena Schwartz compro as mangas? Será que o homem deu elas de presente para ela? Um processo de Mercadorização ou de Comunicação construído nesse preciso momento, lugar emateriais.

        Ate quando as mangas e o açaí so vão entrar no porto de Belém, na feira do açaí, será que num futuro não longinquo sera vista a manga Tommy sendo embarcada para ser vendida no interior do estuário, antes produtor de mangas regionais, como resultado final da eliminação das “mangas da terra” da formação estrutural. Ou escutaremos algum cientista afirmando que as manchas na manga Cametá são perigosas para a saúde da população, propalando assim argumentos para a eliminação desta fruta regional do mercado, como já acontece com o açaí.




TORRES, C. VENDEDOR DE MANGA. FOTOGRAFIA A CORES. BELÉM,
BELÉM: ACERVO PESSOAL DO AUTOR. 2003.

        Ate o ano de 2003 as mangas Tommy não tinham entrado na rede de comercio fluvial do estuário. No porto de Icoaraci, na periferia da cidade de Belém, foi registrada a imagem de um homem de aspecto similar ao fotografado por Madalena Schwartz, no seu barco vindo de Abaetetuba trazendo um carregamento de mangas do tipo Cametá. Homem de cabelo curto pela sua aparência ele viajo a noite inteira para chegar em Belém de manha, ela não oferece um canastro de mangas ao fotografo, oferece todo o carregamento de mangas a venda, sem anel matrimonial ele talvez é solteiro ou separado. 

        Quais as diferenças visíveis entre esta imagem e seu ator da imagem captada por Madalena Schwartz em 1981. Pode-se dizer que nenhuma. O barco é de maior porte mas isso não estabelece uma diferença grande. As embalagens utilizadas para transportar a manga são ainda de palha retirada e tecidas na propria propriedade do barqueiro. A presença do pneu velho delata as sobras que a expansão das rodovias vai deixando pela região desde os anos oitenta. O teto do barco fabricado com zinco é bastante similar ao teto do barco da fotografia feita em 1981 revelando a permanência das técnicas de construção de navios na região. Atras do homem na fotografia observa-se um canastro de palha que foi remendado utilizando uma linha de plástico. Na fotografia anterior isto não aparecia, será que é o começo da substituição do material vegetal pelo material plástico nas embalagens de palha.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário