RESUMO
Para entender o desocultamento do mundo da vida natural como biodiversidade e biotecnologia, deve-se enfrentar a oposição entre modernização e modernidade, a modernização entendida como um animal selvagem que dispõe de meios técnicos imensos para realizar sua vontade instintiva de dominação e a modernidade como um ser humano cansado de sua própria caminhada de recusa a agir como um animal instintivo com fome de sangue; posto que já se chegou ao ponto em que os mecanismos funcionais da modernização são aplicados ao campo dito natural de forma indiscriminada existe o risco de que a modernização do mundo natural não sobrevivera ao fim da modernidade cultural de que derivou. “Nesta perspectiva a modernização [do mundo natural] (...) não pode sobreviver ao fim da modernidade cultural, de que derivou, não devera poder resistir ao anarquismo <<vindo dos tempos imemoriais>>, cuja bandeira a pós-modernidade arvora”.
Para descrever como a modernização técnica do mundo pode-se impor sobre a modernidade cultural que a origino, no mundo não moderno da Amazônia, até esmaga-la, devemos descrever como a técnica se diferencia de sua origem cultural e se posiciona como o meio privilegiado para o desocultamento do Ser-Mundo humano e natural não moderno.
A proposta imagética de Habermas não pode ser mais esclarecedora sobre a relação entre os objetos-sujeitos e as ideias, afirmando que nas ideias e nos objetos produzidos pela modernização se esconde a mera vontade de poder, o poder objetivado ou subjetivado. Nos objetos de aço é onde está “cristalizada” esta condição dual dos objetos. Uma arma de fogo ou uma faca possui duas faces: uma ideia de poder objetivada e um objeto de posse subjetivado, o mesmo pode ser dito das biotecnicas e da biotecnologia.
Insurge a pergunta sob como enxerga esta visão de mundo, as ideias e objetos do mundo da vida humana e natural? Foucault pode responder no caso do mundo da vida humana, no âmbito da linguagem, das palavras e das coisas ou na governomentalidade e na biopolitica, na situação do mundo da vida natural ainda subsiste a disputa e para esclarece-la um pouco vai-se dialogar com Martin Heidegger e sua crítica da técnica moderna.
PALAVRAS CHAVE
Modernidade, Modernização, Desocultamento da natureza, Biodiversidade, Biotecnologia
INTRODUÇÃO
Escatológico, bizarro, inacreditável são termos aplicáveis a forma como a modernização técnica sem um fundamento cultural ético desenvolveu-se no Brasil (DEAN,1998) e na Amazônia (SANCHEZ,2005). Desde o projeto elitista e xenófobo de 1950 que criou mestrados, doutorados e centros de pesquisa avançada no Amazonas, sem considerar a total inexistência de ensino básico, médio e técnico, que pudesse formar pessoas para suprir os alunos desses cursos de pós-graduação e vagas de concurso público, pessoas que acabaram vindo do sudeste de Brasil e do exterior, protelando por décadas o acesso da população local a educação cientifica, tão necessária para sua melhora social. Projetos de pesquisa como o da vaca clonada que matou milhares de animais em 1990, só para mostrar que Brasil podia estar à altura da bizarrice europeia, para justificar-se frente a elite pecuarista local. Ou o projeto que criou a soja que podia ser plantada no Cerrado que agora provoca a desertificação, o desmatamento e a concentração ofensiva da renda no Brasil, sem preocupar-se com a mudança climática, a preservação da população humana indígena, ribeirinha e cabocla amazônica e da floresta. Ou a proposta da pesquisadora da Embrapa que quer vender palmeira de açaí e mandioca para ribeirinho e indígena, similar a um dos anos 1980 que pretendia vender fertilizantes químicos para os ribeirinhos do estuário amazônico colocar em áreas de mare. Ou o exemplo escatológico dado por um pesquisador do mais alto gabarito em genética a alunos do ensino médio do Amazonas, onde achava perfeito pegar cinzas de pessoas mortas, que são compostas de carbono, e converter mediante um complicado e caro processo em diamantes, só para que seus parentes pendurassem no pescoço um colar de diamantes fabricado com essas cinzas dos mortos, sinal de que o instinto de supervivência e desejo de eternidade e mais forte que a simples razão auto evidente.
Estes truculentos exemplos práticos geram a necessidade de se refletir como a sociedade amazônica e brasileira dependente da civilização europeia ocidental (CROSBY,1993) incorporaram o avanço cultural da Modernidade escolhendo só a parte da eficiência técnica (SANCHEZ, 2016), mas sem os controles culturais e éticos, que foram criados para não criar os monstros do que Francisco Goya falava, quando dizia que o “sonho da razão cria monstros”, e dizimando as culturas e povos não modernos junto com as florestas; os passos de animal grande dos negacionistas, terraplanistas e outros animais de camarata nos corredores das instituições de saúde, educação, ciência e tecnologia do pais não permitem augurar nada de bom para esta reflexão necessária.
Deve-se enfrentar a oposição entre modernização e modernidade, posto que já se chegou ao ponto em que os mecanismos funcionais da modernização são aplicados ao campo dito natural de forma indiscriminada e existe o risco de que a modernização do mundo natural não sobrevivera ao fim da modernidade de que derivou (THOMAS,1996). “Nesta perspectiva a modernização [do mundo natural] (...) não pode sobreviver ao fim da modernidade cultural, de que derivou, não devera poder resistir ao anarquismo <<vindo dos tempos imemoriais>>, cuja bandeira a pós-modernidade arvora”.
Para descrever como a modernização técnica do mundo pode-se impor sobre a modernidade cultural e cientifica (OLIVEIRA,2002) que a origino na Amazônia, até esmaga-la, devemos descrever como a técnica se diferencia de sua origem cultural na ciência e se posiciona como o meio privilegiado para o desocultamento do Ser-Mundo humano e natural.
A proposta imagética de Habermas (1990) não pode ser mais esclarecedora sobre a relação entre os objetos-sujeitos e as ideias, afirmando que nas ideias e nos objetos produzidos pela modernização se esconde a mera vontade de poder, o poder objetivado ou subjetivado. Nos objetos de aço é onde está “cristalizada” esta condição dual dos objetos. Uma arma de fogo ou uma faca possui duas faces: uma ideia de poder objetivada e um objeto de posse subjetivado.
Insurge a pergunta sob como enxerga esta visão de mundo, as ideias e objetos do mundo da vida humana e natural? Foucault pode responder no caso do mundo da vida humana, no âmbito da linguagem, das palavras e das coisas ou na governomentalidade e na biopolitica (FOUCAULT, 2008), na situação do mundo da vida natural ainda subsiste a disputa e para esclarece-la um pouco vai-se dialogar com Martin Heidegger e sua crítica da técnica moderna.
Franz Josef Bruseke (2001), filosofo alemão, morando desde 1987 até 1999 em Belém do Pará, traz para dentro da academia amazônica e brasileira as reflexões que a Teoria Crítica formulou depois dos desastres das duas guerras mundiais acrescidos da poderosa reflexão do filosofo Martin Heidegger com relação ao processo da modernização técnica, mostrando a pertinência e alcance da crítica da técnica moderna.
A TECNICA MODERNA
Martin Heidegger considera duas definições da técnica. A primeira instrumental, a técnica é um meio para certos fins. E outra profunda, essencial, a técnica e uma maneira de desocultamento do Ser-Mundo. Uma maneira humana de fundamentar o mundo. Assim mundo e ser são uma identidade, junto com a noção transcendente de natureza que fica cerca desta associação. O que se apresenta à técnica como algo material que serve para determinados fins, é algo já reduzido, materializado pela ação do desocultamento técnico, pelo qual perde sua essência, seu Ser.
O Ser-Mundo é diferenciado qualitativamente e no processo de desocultamento sofre a homogeneização, recebe uma nova ordem na sua re-fabricação, ou seja, muda sua ordem e pelo tanto a sua maneira própria de Constituir-se em Realidade. Exemplo disto a transformação da troca de valores de uso em troca de valores de cambio com a mediação monetária. Uma fruta é trocada por outros alimentos e objetos necessários à vida. Com o desocultamento está fruta passa a ser trocada por dinheiro ou por valores que são necessários à vida das máquinas, do dinheiro e do capital. O Ser-Mundo é demandado pelo desocultamento técnico, é funcionalizado, obrigado a reagir numa única forma, não na multiplicidade que é possível para o Ser. A utilidade é imposta sobre outras formas de desocultamento como, o cuidar, o guardar, e o preservar. A máquina-ferramenta das hidrelétricas da Amazônia está demandando o Ser-Mundo na direção da pressão eletricohidráulica que a move.
O Mundo é demandado pelo Ser em todas direções, agora o Ser-Mundo está dentro da máquina-ferramenta demandado numa única direção. Para tudo o anterior acontecer o Ser-Mundo divide-se em sujeito e objeto, o ser humano respeito da natureza, o ser humano respeito do Ser e o homem do homem, numa divisão espúria na/da natureza mesma do Ser. Para existir esta divisão requer-se a aplicação da materialização, homogeneização e funcionalização do Ser ao sujeito, o homem, que construí está oposição. O dinheiro como máquina-ferramenta está demandando o Ser-Mundo contido na fruta na direção da pressão de seu desocultamento técnico-industrial.
As anteriores qualidades do desocultamento técnico, convertem-se em operações e práticas do agir técnico-científico modernizante. Com as palavras materializa-se (sistematiza-se) o objeto –a fruta-, definem-se qualidades ou variáveis descritivas do objeto natural, com medições dessas qualidades homogeneíza-se o objeto falado, e ao enquadrar o objeto falado e medido numa teoria explicativa, funcionaliza-se o objeto, agora este assume a feição de um elemento de um sistema. Desde a teoria pode-se construir um objeto funcional “teoricamente” ao mundo objetual construído pela visão do sistema, propor medidas possíveis para ir a encontrar esse objeto na realidade, e materializar esse objeto pensado na realidade, e como finalização do ato de desocultamento técnico batizar esse novo objeto, pôr-le nome, um ecossistema. Ou num produto comercializável como a manga Tommy e Power açaí.
O mundo da vida é nomeado como sistema ecológico, econômico, social, e ainda cultural. Depois sua potência é medida, seu comprimento, sua profundeza, os materiais que transporta, a turbiedade, os elementos que o compõem e muitas outras medições. Ao nomear o mundo como um sistema e aplicar a Teoria de Comunidades de Odum, ou a teoria do equilíbrio geral e ainda a teoria de sistemas sociais ou o marketing, a este para sua descrição, fazemos esta parte de uma teoria geral do sistema, terminando assim seu desocultamento tecnocientífico.
Sua formação e estruturação ficam ocultas num estado de latência. Partindo dessa mesma teoria a natureza do mundo passa a ser vista como um fluxo de energia cinética ao qual pode-se incorporar um sistema de produção de potência, pensa-se assim a “Agro-industria”, faz-se a teoria de seu funcionamento, produzem-se todas as qualidades do novo objeto pensado, as medições de sua forma, tamanho. Também se constroem modelos preliminares do mecanismo de processamento, os quais são objeto de provas controladas para ao final construir o mecanismo no meio da natureza. A natureza deste segundo desocultamento é diferente a o primeiro, é de natureza técnica...realmente técnica. Mais fica a pergunta, que foi o expulso deste mundo da vida dois vezes desocultado?
A resposta é que o desocultado foi sua Vida. A Vida que conferia sentido e significado a sua presencia no Mundo do Ser, ou no Ser do Mundo. Na teoria e na pratica a Vida foi eliminada, no pensamento e na ação. Porem no pensamento que desoculta também foi eliminada uma terceira qualidade: a Vida do sujeito, o físico, o engenheiro florestal, o construtor são também desocultados pela técnica. Assim a técnica cria um novo sistema de ação humana oposta ao trabalho nas suas formas naturais e humanas e que seria entendido como uma ação instrumental técnica, quem olha para o abismo acaba sendo engolido por ele.
AS BIOTECNICAS
As ações instrumentais biotecnicas constituem o exemplo pós-moderno do aprofundamento deste processo de modernizações, descrito nos anos vinte para as máquinas-ferramenta por Heidegger, e agora reeditado para as novas biomáquinas-bioferramenta que incidem no que resta dos processos naturais de evolução biológica, os ciclos biosfericos e a própria vida humana no planeta. Segundo Bruseke (2001), Heidegger procura atrás do correto, o verdadeiro. Tentar atravessando o correto aproximar-se ao verdadeiro é o que norteia toda a analise heideggeriana da técnica moderna. Vamos tentar seguir essa trilha para identificar o que de verdadeiro tem, as técnicas de criação e manipulação de plantas transgênicas e de correto também. A técnica não somente é um meio para certos fins e um fazer do ser humano exclusivamente, o autor incita a questionar o contexto de surgimento dos meios e dos fins. Segundo o autor, a técnica é um meio de desocultamento e esse desocultamento encerra o fundamento da relação ser humano – mundo.
Como um exemplo do agir do desocultamento técnico da vida vegetal, deve-se identificar quais os contextos históricos-lógicos do surgimento das técnicas de fabricação de plantas transgênicas e identificar a via especial de desocultamento do mundo que estas propõem a humanidade, não é somente um problema de eficiência na produção de alimentos ou no combate a pragas. O desocultamento partindo das técnicas mecânicas, químicas, genéticas e de transgenia são modos atuais de fundamentar uma relação humana com o mundo. Mas esta fundamentação pode ser de outro modo, é contingente, não é a única maneira. Ninguém está preso ao princípio de causalidade. As biotecnicas são dessa forma, mas podem ser de outra forma, são contingentes. Heidegger nas palavras de Bruseke em 1997, elabora o “princípio de materialização da totalidade”, a transformação do tudo em matéria prima para a fabricação. Embora o material não existisse antes de ser materializado pelo desocultamento.
Assim o ser humano converte-se em matéria prima dos campos de extermínio, ou das fabricas de seres humanos, ou das clinicas de emagrecimento e estética, são somente matéria. As plantas devem ser materializadas antes de ser introduzidas num processo de fabricação de novas plantas. A materialização envolve a retirada da fluidez e plasticidade das plantas, sua fixação em estágios permanentes, cortando os processos que as mantém dentro da fluidez dos processos de composição e decomposição, de vida e morte, a evolução da vida.
Por exemplo, criar resistência a micro-organismos ou a fatores do meio ambiente retira as plantas e outros organismos da imaterialidade do Ser, destruí os processos vivos criando funções rígidas para os organismos. O desocultamento técnico materializa coloca em pé de igualdade toda a variedade existente, todas as rochas são iguais a todos os seres humanos, todos os seres humanos são iguais diz o desocultamento técnico-jurídico, sim são matéria prima do direito.
O desocultamento técnico também homogeneíza ou uniformiza o Ser, seguindo a ideia de que a fabricação técnica põe ordem no mundo, pois exatamente este ordenar nivela tudo a um equivalente geral de troca, que pode ser calculado, circulado, reservado, entesourado. As plantas materializadas devem poder ser trocadas, circuladas, entesouradas e vendidas em última instancia, insurgem as mercadorias. Pergunta-se, se o processo de fabricação de plantas transgênicas estaria orientado especificamente a criar mercadorias biológicas, que a resolver problemas de alimentação, abrigo e cuidado do ser humano, e das próprias plantas.
Existe um conjunto de rasgos genéticos introduzidos em plantas por biotecnicas que servem a fins de desocultamento do ser-mundo da vida, que podem ser visibilizados no seu direcionamento de fabricação de um equivalente geral, que possa ser calculado, posto em circulacao, reservado e entesourado para criar a mercadorizacao da vida (PAHL,1995) no caso das plantas transgênicas.
A tolerância a herbicidas, a planta tolera herbicidas mais potentes sem sofrer danos internos o que permite maiores vendas de herbicidas, ajuda a planta a ocupar habitats diversos que são homogeneizados com o uso do herbicida pela eliminação da fauna de insetos e plantas que interage de forma competitiva com elas, convertendo-se em espécies invasoras.
Na melhoria de qualidade, a qualidade usualmente não é em conteúdo alimentar e sim em condições de transporte, armazenamento, aparência, sabor. Padronização de sabor, cheiro, cor, conteúdo de açúcar ou amido. Não faz a espécie mas alimento a faz, mas vendável trocável e armazenável facilitando sua apropriação econômica.
Quando introduzida a resistência a vírus, estes vírus em condições naturais não atacariam estas plantas, mas aparecem pelo armazenamento de grandes quantidades de plantas e frutas em locais únicos dado o consumo em massa. O armazenamento separa a produção do alimento do seu consumo in natura para favorecer a sua vendabilidade restando a qualidade do consumo imediato do que a natureza produz.
Na resistência a insetos o uso de plantas modificadas deve ser feito em tudo tipo de habitat ecológico homogeneizando este, suprimindo a heterogeneidade ambiental, a variedade do mundo é suprimida, provocando a eliminação de polinizadores, dispersores, elos das redes tróficas que sustentam a vida.
O uso de gene marcador serve para identificar a propriedade das plantas e frutas com fins de proteger direitos de patente e propriedade, gerando ganhos econômicos, mas sem melhorar a qualidade como alimento da planta, permitindo o cálculo do valor da mercadoria viva.
Na resistência a fungos as plantas assim podem resistir variações de umidade próprias de habitats úmidos, ou armazenamento em áreas úmidas, mas ficam imunes a ação de fungos e a associações micorrizicas que são as que permitem a planta sobreviver em ambientes naturais dentro de comunidades e ecossistemas mais complexos.
Na resistência bacteriana, as bactérias as plantas são extraídas dos processos naturais de decomposição, que reciclam os materiais das plantas reintegrando-os a imaterialidade do Ser, preservando o fluxo da vida e seus ciclos de criação e destruição.
Aceleração de processos biológicos facilita a rápida incorporação das matérias primas nos circuitos e fluxos do mercado mundial.
TOLERAR, RESISTIR E SER MARCADO
O tolerar, o resistir, o marcar e o melhorar são formas da homogeneização do Ser-Mundo inseridas no processo de fabricação de mercadorias biológicas. O tolerar conecta estas mercadorias com outras já fabricadas como os herbicidas. O resistir isola estas mercadorias biológicas de outros seres vivos não mercadorizados ainda, sem interesse utilitário. O marcar estabelece os limites de propriedade na relação entre mercadorias, o ser vivo fabricado não é dono de se mesmo, nem pertence ao mundo natural de onde veio outrora. O melhoramento está orientado a incrementar a trocabilidade das mercadorias biológicas para que estas entrem no mundo da circulação eficientemente desde o local até o global rompendo limites genéticos, biogeográficos, evolutivos, e ecológicos, com riscos enormes, como as novas pandemias o demostram (SANCHEZ & SOUZA, 2021) quando um vírus presente em animais foge de seu nicho, entra no nicho humano provocando mudança evolutiva radical, acelerada e imprevisível.
As plantas nem sempre devem tolerar ou resistir um ataque seja biológico ou humano pois esta não tolerância promove a seleção natural. Marcar plantas serve ao interesse de fixar a fluidez do fluxo biológico para a sua apropriação privada e para a apropriação dos caracteres que são definidos ao arbítrio como “os melhores”, dali aparece o princípio da procura da “qualidade”, que não é mais que, a procura pela fixação de convenções arbitrarias sobre que vida e forma de vida é boa. Será que a vida por se mesma não é boa? A qualidade de “melhoria” de um organismo vivo é avaliada como a qualidade de trocabilidade, de venda, de acumulação, inserem-se melhoras que promovem a vendabilidade do organismo.
A vida e suas formas é desocultada tecnicamente. A terra, a água, o ar, a luz e o fogo são desocultados, quando destinados a uma utilidade especial, assim na Amazônia os solos
desocultam-se como depósitos de minério. Os rios quando demandados pela hidrelétrica, como energia, as florestas viram madeira e a vida convertesse em genoma, a natureza e demandada como biodiversidade. Segundo o autor este desocultamento técnico funcionaliza e substitui formas antigas de desocultamento como cuidar, guardar e preservar vinculadas com a origem ético cultural moderna.
A fluidez do fluxo biológico – evolutivo não está mais livre, imaterializado, inhomogeneo, permitindo a contingência, o poder ser de uma forma ou outra. Este agora é funcionalizado demandado na direção da pressão tecno-biológica que fabrica novos organismos industrialmente com riscos enormes. Heidegger menciona que abrir, transformar, armazenar, distribuir e comutar são maneiras de desocultamento. As forças evolutivas das
florestas, ao igual que as forças do fluxo das bacias e rios estão aprisionadas dentro das novas usinas industriais biológicas.
Para verificar-se por completo o desocultamento técnico cria a “polarização entre sujeito e objeto”. Ao criar objetos, o ser que desoculta o Ser, desoculta-se a se mesmo. O processo de criação de um objeto, apresenta-se assim como o máximo processo de subjetivação pois é a imposição de uma forma de desocultamento que não cuida, preserva e guarda o Ser no processo. É a própria imposição de um poder autoritário.
Assim o desocultamento do processo da vida passa pela criação de um objeto e sujeito de racionalização instrumental, afastado das visões culturais, míticas e religiosas que existem sobre o processo da vida microbiana, organismica e ecossistêmica. É a imposição de uma visão mecânica antropomorfa para a compreensão do processo da vida. Visão que é transmitida, oculta nos refinamentos técnicos que se pensam e desenham para fins exclusivamente humanos e mercadológicos.
Uma planta é criada para alimentar somente os seres humanos que possam comprar ela, e ainda alimentar as máquinas-ferramentas, não para alimentar todos os seres vivos, como o fazem as plantas criadas pelo processo do Ser-Mundo. Uma hidrovia é construída para o passo de embarcações humanas não para o passo de outros animais e plantas aquáticas.
Uma cidade é construída para abrigar máquinas e ferramentas e não seres humanos, animais e plantas. Este processo acaba com a aparição, segundo Heidegger, da “razão calculadora” que acaba expulsando o sagrado do mundo natural e o próprio mundo natural de se mesmo. Não somente no processo de contar e quantificar está alojada a “razão calculadora”, está contida na ação do planejar e esperar resultados sempre dentro dos limites da razão instrumental, petrificando a própria imaginação humana do Ser- Mundo.
A ESCISAO DO MUNDO DA VIDA PELA TECNICA
Será possível entender que é o ser humano através das biotêcnicas, que está escindindo o Mundo da vida, e não o mundo da vida que está destruindo o ser humano. No caso dos povos ditos primitivos estes tinham a claridade de que eles sujavam o mundo depois de alimentar-se (SANCHEZ, 2018).
No caso de ocidente utilizamos ferramentas como talheres e garfos para que a comida não suje nossas mãos, quando somos nós que estamos sujando os alimentos e o mundo.
Precisamos de uma nova ética cultural, de uma ética por pequena que seja (LÉVI-STRAUSS, C.,1996) de uma etiqueta alimentar e de cuidado de nossa relação/mediação com o mundo da vida humana e natural. Precisamos de biotécnicas que protejam o mundo da vida do ser humano e ao ser humano de se mesmo.
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