Cantarofilia vem do grego kantharos (besouro) + philia (afinidade, amor).
O termo descreve uma relação ecológica entre plantas e besouros, especialmente na polinização.
Em outras palavras, plantas cantarófilas são aquelas polinizadas por besouros — uma forma de interação antiga, anterior até à polinização por abelhas.
No caso do açaí (Euterpe oleracea), essa relação é crucial.
Embora muitos imaginem que as flores do açaí sejam polinizadas apenas por abelhas, na verdade, os besouros desempenham um papel central no transporte do pólen, atraídos pelo aroma, calor e estrutura das inflorescências.
🪲 Cantarofilia e o “androginismo” do açaí
No trecho do Códice Sabor Açaí que você compartilhou, aparece a expressão “síndrome de cantarofilia” associada à ideia de que o açaí “foi plantado como fêmea e macho ao mesmo tempo”.
Isso é riquíssimo simbolicamente e ecologicamente.
👉 Na biologia, a palmeira do açaí é monoica, ou seja, tem flores masculinas e femininas na mesma planta, mas separadas em diferentes estruturas.
👉 Na cosmologia amazônica, isso é interpretado como uma forma de androginiA sagrada — a coexistência do masculino e do feminino como unidade, uma metáfora para o equilíbrio entre forças da vida.
A cantarofilia, então, não é apenas um fenômeno natural, mas também uma ponte simbólica entre mundos:
-
O mundo não humano (besouros, flores, florestas);
-
O mundo humano (rituais, crenças, economia do açaí);
-
E o mundo espiritual (as entidades e forças que protegem e vitalizam o ecossistema amazônico).
🔥 A dimensão simbólica e política
Ao falar de “síndrome de cantarofilia”, o texto traz um paralelo entre o erotismo da polinização e a energia sexual humana — o açaí como corpo vivo, fecundo, que mistura prazer, trabalho e espiritualidade.
Essa leitura ecoa tanto na poesia quanto na crítica política:
-
A planta gera vida em interação com outros seres;
-
O mercado explora essa vida como mercadoria;
-
E o canto (como o de Sabor Açaí) reencanta o que a mercantilização dessacralizou.
💬 Em resumo
A cantarofilia, no açaí, é uma metáfora viva da Amazônia:
um ecossistema de encontros, fertilidade e reciprocidade —
onde besouros, humanos e divindades dançam juntos na mesma flor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário