segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

AS PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO ESTRUTURAL DO ESTUÁRIO AMAZÔNICO E DA AMAZONIA

 

Este trabalho de tese de pesquisa desenvolveu uma reflexão sobre a modernização e a modernidade do mundo da vida no contexto da planície de inundação amazônica e mais especificamente o estuário amazônico e o arquipélago de ilhas de Belém do Para. A reflexão passou pela interpretação do mundo da vida neste local e seu processo de formação estrutural, numa abordagem lógica e histórica, que foi adotada depois de revisar as perspectivas teóricas que entendem o mundo da vida como uma formação, uma estrutura, um sistema e finalmente como um contexto de comunicação e informação, ou seja uma formação estrutural. Adotou-se a perspectiva formativa estrutural do mundo da vida, que ajudou a avançar na reflexão sobre os processos básicos da formaestrutural: a individualização humana e a diversificação das espécies, discutindo-se sua origem, processo e relações no marco dos processos da modernidade e da modernização. Finalmente estas teses foram tratadas para a situação brasileira e amazônica e acomodadas na interpretação dos dados e informações das fontes analisadas sobre a formação (histórica) estrutural (lógica) do mundo da vida no planície amazônica.

Pretendeu-se com a analise destas categorias formular uma narrativa ambiental sobre a diversidade do mundo da vida no planície amazônica, segundo a formação histórica e a estruturação lógica das esferas do mundo da vida humana e do mundo da vida natural no estuário, sintetizados no processo de mercadorização. A mercadorização envolve o processo de instauração dos usos e trocas dos objetos e sujeitos no estuário, pelas agrupações indígenas, as ordens religiosas e missionários, as cidades e vilas coloniais e seus colonos, os afro-americanos e os engenhos da agricultura predatória e os viajantes, naturalistas e cientistas e suas instituições, e finalmente a tentativa da implantação do equivalente geral no estuário. Esta tentativa envolve o debate sobre o sucesso ou fracasso da fixação dos europeus na planície e a resistência dos moradores amazônicos e a atuação dos objetos da diversidade do mundo natural neste processo, sejam de origem amazônica ou não. Essa reflexão e interpretação serão realizadas na situação especifica de arvores e arbustos de origem amazônica e não amazônica. A Manga (Mangifera indica L.), o Café (Coffea arabica L.), o Cupuaçu ( Theobroma grandiflorum (Wild. ex Spring) Schum), e o Açaí (Euterpe oleracea Mart.) e outras como a Mandioca (Manihot esculenta Crantz), e a Borracha (Hevea brasiliensis L. ), foi documentado e cartografado este processo de mercadorização durante a invasão e seu percurso no estuário amazônico. Esta perspectiva da formação estrutural ajudou a analisar na situação material atual e local, as propostas tecnocientificas que explicam o processo da diversificação do mundo da vida, e as políticas de uso desta diversidade, e suas conseqüências para a mercadorização da vida no estuário. Esta interpretação mostrou que, existem visões de mundo antagônicas no processo de formação estrutural do mundo da vida no estuário. Onde redes sociotecnicas formadas pelos sujeitos-objetos da diversidade do mundo participam antiteticamente na mercadorização do mundo da vida no estuário. Os diferentes agentes mostrados acima desenvolvem praticas que afetam a relação entre fatos, poder e discurso no estuário, gerando uma malha sociotecnica híbrida que reconstitui conflitivamente aquilo que foi separado pelos sujeitos na mercadorização.

No setor do estuário amazônico estudado, as instituições e indivíduos que exercem as praticas de purificação e tradução do mundo da vida natural ao mundo da vida humana, e que separam estas duas esferas da realidade, foram indagados seguindo os princípios derivados da etnografia simétrica, cartografando as redes criticas e as redes técnicas que praticam a cisãofusão dos valores de uso e troca no local e atual do estuário.


Foi verificado que o discurso da relação entre biodiversidade e sociedade não responde à dimensão da problemática colocada pela dualidade entre modernização e modernidade do mundo da vida no estuário amazônico. Este discurso na sua componente disciplinar impõe divisões nas abordagens sobre a problemática dificultando a compreensão real das redes que formam o mundo da vida e facilitando sua erosão.

Neste trabalho foram identificadas as unidades fundamentais do processo de formação estrutural do mundo da vida qual sejam o indivíduo humano e a espécies viva num entretecido que parte dos microprocessos em espaço e tempo da individualização e da diversificação para chegar a conformar uma formação estrutural plena de sentido para os moradores históricos do estuário amazônico.

A formaestrutural no estuário amazônico sofre a atuação do processo de modernização pela mercadorização da suas formas vivas com o uso das biotécnicas modernas. Este processo utiliza e oculta as redes simbólicas de domesticidade criadas pela ação recíproca entre indivíduos e espécies no estuário. Assim o morador tradicional da região é sutilmente expropriado de seus criações, produções e referentes sem receber reconhecimento por isto. Este desocultamento técnico desoculta tanto as espécies como os moradores tradicionais do estuário. O mais perverso deste processo é que verifica-se partindo desde propostas que supostamente vão conservar, modernizar, planejar, manejar os recursos da biodiversidade reconhecendo os benefícios para estes moradores locais.

Isto principalmente causado pela sobrevalorização que tem sido dada aos discursos tecnocientíficos na região, supondo que são isentos de interesse político econômico e ainda cultural.

Os moradores regionais com o decorrer da invasão europeia desenvolveram táticas de confrontação das agressões mais diretas porém para estes novos tipos de agressão ainda não existe organização local e comunitária que possa dar resposta. Um cientista na região do estuário, para bem ou para mal, é um agente econômico, político e cultural de um projeto de modernização que agride de formas incruentas mas não por isso menos perigosas a unidade da formação natural estuárina. Os anti-políticos escritórios dos biocientistas e bioengenheiros são o novo campo de batalha entre a não modernidade e a modernização.

 

Por isso foi identificada uma alternativa de periodização das formas estruturais presentes durante este processo, que correspondem as etapas da implantação das formas da mercadoria e o avanço do conhecimento da ciência ocidental da região. Estas formas estruturais são tentativamente, a modernizante-iluminista mercantil mundializada -MIM, a nacionaldesenvolvimentista industrial –NDI, e a tecnocientifica informacional globalizada –TIG.

A formação estrutural estudada concretiza-se em uma institucionalidade que participou e participa na promoção das várias formas de mercadorização da espécies e da diversidade da vida amazônica, que foram identificadas e descritas ao longo do percurso desta tese sendo a Companhia de Comercio do Grão Pará e Maranhão exemplo da modernizante iluminista mercantil mundializada, a EMBRAPA representante da nacional-desenvolvimentista industrial e a Nova Amafrutas exemplo da tecnocientifica informacional globalizada. As espécies estudadas foram incorporadas de maneiras convergentes dentro de esta formação estrutural, o que permite afirmar estas fases da trajetória como momentos relevantes da história ambiental e da ecologia política regional.

Contra o que se afirma da Amazônia nos discursos do desenvolvimentismo e da globalização ser uma terra do amanha. A Amazônia é uma terra do ontem, do hoje e do amanha. No mesmo local, momento, objetos, coisas e palavras. Não é uma fonte de riqueza e oportunidades econômicas ilimitadas. É uma fonte de riquezas limitadas que precisam ser construídas criando e aproveitando as vantagens locais e regionais. Estas riquezas não somente são econômicas, mas também de conhecimento, tipos de organização familiar e social, objetos e palavras novas, e por fim novos significados e subjetividade. A própria existência da floresta, e sua contemplação, já constitui uma riqueza enorme.

A historia ambiental e a ecologia política das espécies estudadas mostram como suas

trajetórias na região deixaram intactas as formas e estruturas fundamentais da sua conformação,

existem ate hoje e afetam o futuro da formaestrutural do estuário amazônico. A mercadorização

do mundo da vida e sua diversidade é um processo continuo, gradual e coexistente, e portanto

complexo. Este processo progride por varias trajetórias traçadas pelos objetos e sujeitos, as vezes

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conflitantes, as vezes anterogradas. Configurando um cenário de conflito pelos significados,

palavras, coisas, objetos, sujeitos e no final a luta pela vida.

Esta formaestrutural naturaliza o que antes era considerado anti natural como uma fruta de

manga produzida com uso de meios químicos agressivos a saúde humana como hormônios de

crescimento. Trata-se como natural produtos compostos principalmente por compostos químicos

derivados do petróleo que substituem propriedades da espécies original como o cheiro, a cor, o

sabor, poder curativo e ainda substituindo a própria imagem da espécie, como no caso da mistura

de polpa de açaí com cafeína, banana, chocolate que ainda assim é nomeada como açaí. O

cupuaçu neste processo de mercadorização é tratado de forma análoga ao Cacau perdendo parte

de sua identidade e retrasando sua incorporação na rede sociotêcnica.

A quebra de uma trajetória extrativo - produtiva florestal na formação estrutural

amazônica que partiria da borracha, e que chegaria a um grande conjunto de derivados e

produções associadas de tipo arbóreo, na sua maioria, pois a natureza biológica da borracha

obrigaria a instalação ao redor dela de um conjunto de espécies arbóreas que seriam extraídas e

produzidas. Como seria a situação da Castanha do Pará e vários tipos de frutas como Açaí,

Cupuaçu, Manga e outras. Levou a instalação de uma outra trajetória, que parte da extração

predatória de madeira, minérios e biomassa que não tem conseguido ainda criar um conjunto

associado de produções ao redor dela, simplesmente porque se atua sobre a matriz básica que

sustenta a produtividade amazônica que é a floresta, que serve de berço a borracha, por exemplo.

Reproduzindo em parte as características do seringal do apogeu que foi o modelo que em última

instancia instalou-se na produção de borracha amazônica.

Se os índios, ribeirinhos, caboclos e afrodescendentes e sem terras que se opunham e

opõem ainda à mudança a fim de preservar uma certa aparência de autonomia e seu modo de vida

costumeiro, ou os comerciantes e empresários que lutavam e lutam por preservar seu “arcaico”

sistema de produção, comercialização, consumo e acumulação, parecem algo retrógrados e

equivocados, deve-se ter em mente que uma mudança descontrolada, em uma formação natural

muito dinâmica como a da Amazônia pode ser mais desastroso do que a mera estagnação.

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A orla de Belém reflete com muito a estrutura da formação do estuário problema da

dualidade no desenvolvimento o “cálice duplo” onde o setor modernizado se enfrenta ao setor

não modernizado da forma estrutural e cria uma área de escuridão onde todo tipo de pratica e

processo de criação de valor e riqueza fictícia acontecem. Os modernos falam de grandes lucros

partindo dos não modernos e os não modernos parecem lucrar muito com o intercâmbio com os

modernos se isso não for assim de onde vem o capital e a acumulação de duas partes da natureza

e do capital ilegal valorizados anomicamente.

Isto acontece imerso na formação natural do estuário amazônico que tem sido reconhecida

nesta tese como um refugio de flora pleistocênico e ainda como um centro de diversificação

biológica de Vavilov, que tem mantido condições estáveis de estruturação durante milênios

facilitando manutenção de uma flora e fauna durante um longo período o que pela sua vez

permitiu a síntese cultural necessária para criar a estrutura social local.

Nesta tese se apresentam as provas que demostram que no estuário amazônico a invasão

européia sofreu grandes dificuldades para seu avanço provocadas pela própria natureza biofísica

do estuário como da aliança entre os moradores locais e a formação natural regional. Como

resultado da aliança milenar entre os moradores locais e as formações naturais estuárinas. Aliança

tal que nem com o apoio das máquinas ferramentas de origem industrial os povos descendentes

dos europeus tem conseguido impor-se ao meio natural e moradores originais do estuário

amazônico.

A formação estrutural do mundo da vida no estuário amazônico apresenta três formas: a

modernizante-iluminista mercantil mundializada da qual são representantes a mangueira e o café,

a nacional-desenvolvimentista industrial da qual é exemplo o cupuaçu e a tecnocientifica

informacional globalizada que tem o açaí como representante. Estas formas se dispõem na rede

sociotêcnica de forma diferenciada nos níveis de naturalização (científicos), de socialização

(jurídicos e políticos) e de deconstrução (mediáticos), como já foi mostrado no decorrer desta tese

de doutorado.

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Nos estudos de caso analisados nos municípios de Gurupá para o açaí, Bujaru para o café,

a cidade de Belém e a Ilha de Cotijuba para a manga e a falta de um estudo local para a situação

do cupuaçu permitiram entrever como formas tradicionais de conhecimento, produção,

distribuição, consumo e referência a respeito das espécies estudadas são utilizadas pelos

moradores locais do estuário como parte de estratégias de resistência frente ao avanço das três

formasestruturais identificadas aqui. Deve-se reconhecer que existe uma ampla disputa pelo

domínio do açaí, do café, do cupuaçu e da manga no estuário amazônico, que envolve conflitos

pelo que sabe-se, legisla-se, produz-se, comunica-se e imagina-se entorno destas espécies da

flora, onde agentes de pesquisa tecnocientífica estatais e empresariais constituem a ponta de lança

desta sutil agressão.

O contexto onde as redes de domesticidade da formação estrutural que existem fica mais

evidente esta nas formas de produção de sentido sobre o mundo da vida no estuário, nas imagens

musicais, fotográficas, poéticas que colam-se inadvertidamente nas supostamente objetivas

produções cientificas, jurídicas, econômicas e artísticas que as elites criam para desocultar e

seqüestrar os atributos das formas do mundo da vida. Isto não significa que pelo fato de ser

imagens estas formas de produção de sentido deixem de ser fontes de conhecimento, poder,

riqueza e hegemonia para quem consegue expropriar seus criadores e orienta-las dentro do

processo de desocultamento técnico e mercadorização.

Cada espécie utilizada deve ser discutida como um sujeito-objeto da uma fase da

formação estrutural, ao igual que as frutas estas fases coexistem nos quintais, praças e sítios do

estuário trazendo de volta o passado, fazendo o presente e configurando o futuro da formação

estrutural. Como já foi mostrado estas frutas no presente são submetidas a processos de

intervenção técnica de diferentes ordens, processos jurídicos e estratégias de pesquisa científica

que dependem da trajetória histórica da espécie e as lógicas que sua origem biológica define. As

próprias técnicas utilizadas com es espécies vegetais são sinais de momentos da formação

estrutural desde a manipulação do corpo da planta, passando pela utilização de compostos

químicos derivados do petróleo, ate as técnicas de manipulação genética.

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Nesta tese se utiliza de uma maneira inovadora a Teoria Crítica para tecer elos entre a

teoria filosófica, social, ecológica e botânica que contribuam para enfrentar os dilemas que o

processo de modernização da planície inundáveis amazônica traz para seus moradores locais.

Para isso foi feita uma revisão histórica e lógicas das idéias sobre a natureza e sociedade. Esta

reflexão levou a formulação da idéia de formaestrutural que integra lógica e historicamente

conceitos das ciências naturais e sociais

SCHWARTZ, MADALENA. VENDEDOR DE MANGA, ICOARACI, BELEM, PARA,BRASIL (1981)




    Um dos locais onde acontece o momento de contato entre o estuário rural não –moderno e o estuário urbano modernizado são os portos de Belém, o mercado de Ver-o-Peso, na tradicional feira-do-açaí e outros portos menores como o porto de Icoaraci. Nestes locais acontece a fase de descarrego, preparação da venda e a fase de venda das frutas que são os dois momentos da entrada das frutas na cidade, neste caso a manga e o açaí, na cidade de Belém. 

    A manipulação da manga e a movimentação do açaí em recipientes de uma palha especial similares um a outro é um momento importante deste processo. Ali se pode entrever uma serie de conflitos entre o moderno e o não moderno materializados no uso ou não de embalagens de palha ou de plástico para armazenar as frutas.  As embalagens de PVC já representam 30% das caixas para transporte e acondicionamento de frutas nos supermercados, informa o presidente da Associação Paulista dos Supermercados (APAS), Sussumu Honda. "A possibilidade de reaproveitamento, a diminuição do desperdício e principalmente a higienização, fizeram com que os supermercados optassem por esse tipo de produto", diz. Já no Pará a utilização majoritária é de embalagens feitas de fibras vegetais e no ano de 2004 foram objeto de fortes críticas por setores interessados na sua substituição por embalagens de plástico. As caixas de PVC são 100% recicláveis mas podem ser reutilizadas inúmeras vezes. É só lavar.

 Além disso, preservam o aroma e o gosto natural das frutas. Estudos da APAS apontam que, para a indústria de alimentos, as caixas de PVC são muito importantes no combate ao desperdício. A falta de condições ideais de armazenagem provoca a perda de 23% da produção nacional de frutas antes de chegar ao consumidor final. Isto significa que 13 milhões de toneladas, avaliadas em aproximadamente R$ 4 bilhões, são perdidas devido às más condições de acondicionamento. Só que ainda não é conhecida uma avaliação comparativa entre estas embalagens e seu impacto nos custos de produção do ribeirinhos.

 Neste momento de aportamento no porto da feira do açaí se descarregam todas as atitudes dos moradores ribeirinhos na sua relação com os moradores da urbe. Momento de prova física para os jovens que carregam de diversas formas os paneiros de açaí e de manga. Passagem do meio aquático para o meio terrestre. Da juventude para a maturidade. A manga e o açaí são seu peso demonstrando sua virilidade e amadurecimento. O recipiente onde se carrega a fruta passa a ser o objeto de interesse nas suas possibilidades de carregar os pesos e as qualidades dos objetos neste caso as frutas. Ao ponto do tratamento dispensado ao açaí e a manga não ser muito diferente somente que pela maior valorarão do açaí este utiliza paneiros mais finos e de menos idade. 

Momento de reflexão e preparo para os mais os homens velhos que organizam as frutas em grupos demora quase quatro horas. Passagem da posse usuária a posse de troca. Avaliam-se as vantagens de cada variedade da espécie em termos de sua troca monetária. A manga e o açaí são seu qualidade alimentar.  Momento de intensa atividade incontrolada onde juntam-se as negociações rápidas e o transporte rápido das frutas denotando o mudança de mãos das frutas, dura no máximo uma hora. Momento da comercialização e troca monetária. Participação feminina visível e discreta. A manga e o açaí são seu preço. 

    A Fotógrafa responsável pela imagem, Magdalena Isabel Mandel de Schwartz nasceu em Budapeste, Hungria 1923 e faleceu em São Paulo em 1993, radicou-se em São Paulo, em 1960, vinda da Argentina, onde havia vivido desde 1936. Foi dona de uma lavanderia no centro da capital paulista antes de começar a trabalhar profissionalmente com fotografia no início da década de 70, depois de ter feito seu aprendizado técnico no Foto-Cine Clube Bandeirante, no qual ingressara em 1966. Destacou-se como retratista, tendo trabalhado para a Rede Globo de Televisão entre 1979 e 1991. Considerada a grande dama do retrato contemporâneo no Brasil, participou de diversas exposições e salões internacionais. Mereceu uma homenagem póstuma da Fundação Nacional de Arte (em associação com a editora Companhia das Letras), em 1997, com a publicação do livro Personae, com retratos de sua autoria.

         Segundo seus críticos é impressionante como Madalena Schwartz fixa a fisionomia das pessoas que fotografa. Como acerta fotograficamente, uma imagem da gente do Brasil. É difícil achar quem poderia pensar nisso, nem por onde começar, voando e parando na imensidão onde o povo está espalhado, escondido no verde dos campos ou agitado entre as paredes de concreto das metrópoles. Gente que trafega, trabalha, pensa e sonha: quem vai enquadrar e fotografar. Foi Madalena a se envolver, ingênua e audaz, na tarefa. Pode ser que como conseqüência de seu contínuo itinerar de reportagens, vendo e revendo caras, registrando-as para outros e para si. 

        Especialmente para seu próprio arquivo (...) Madalena se propõe, nesta andança fotográfica da gente brasileira, a agrupar elementos desde os de linhagem, sustentados pelas empresas coloniais, até os desembarcados pela avalanche das imigrações, fugindo da Europa ou vindo à procura de fortuna: pessoas registradas em instantâneos, um panorama (...). Madalena escolheu sem escolher: acertou o povo de qualquer origem, os humildes e os que se tornaram famosos no olimpo do esporte ou no fechado setor da cultura, recompondo o Brasil. Cada um pode encontrá-lo e representá-lo como vê, crê e ama. Ela o viu, nele acreditou e o amou à sua cordial maneira. " 

        Seguindo essa linha de interpretação as mangas na fotografia realizada em 1981, são trazidas pelo homem dentro de uma canasta de fibra vegetal igual as usadas para o transporte do açaí. Canasta que atualmente esta sendo questionada como imprópria para seu uso no novo mundo das frutas modernizadas e substituída por uma embalagem quadrada de plástico. As mangas na imagem estão manchadas povoadas por algum fungo ou parasita, só por isso seriam impróprias para serem exportadas fora do Brasil, mas são fundamentais na dieta dos moradores da cidade de Belém. Pela expressão de força dos braços do homem o canastro esta bastante pesado, quem sabe alem dacapacidade física deste homem que sobre explorado, por se mesmo, se mantém livre do novo mundo assalariado. O peso das frutas não impede do homem mostrar o sorriso discreto e franco de quem esta dando ou doando algo precioso, será a vida transmitida no alimento extraído da seu sitio alagadiço. 

        Ou a doação ou troca de um objeto de forma livre mesmo que autoexplorada. Atras vem-se cerca de 50 canastros denotando a possibilidade de existir lá no sitio do caboclo muito mais que essas cerca de 100 mangas. O cabelo escuro e a pele parda a pesar do branco e preto da fotografia mostram a naturalidade do homem, o rio a água e o sol. A mão que esta a mostra, abaixo do cesto das mangas, revelando o corpo de outro homem na embarcação denuncia a filiação católica dos tripulantes do barco. O anel na mão izquerda deste homem o prova.

        As mãos delicadas, frágeis em aparência, agarram o cesto com cuidado e perícia. Esse mesmo desenho de cesto só que com um olho de menor diâmetro é utilizado para carregar açaí. O próprio homem põe a frente de si o canastro de mangas mostrando que para ele o importante é esse canastro abundante cheio de mangas. O ator principal desta trama é a transmissão da vida em forma de fruta ou de ser humano.

        Será que o barco ancorado do lado chama-se “Salém” ou “Jeru-salém”, rememorando as bruxas e os inquisidores que ainda agora através das palavras digladiam-se no mundo real, bruxas do mercado e inquisidores da ciência que cercam de cadeias a estes moradores ribeirinhos.

        Madalena Schwartz foi cobrir um Congresso Internacional de Bruxas na cidade de Bogotá no ano de 1975. Será que as mangas da fotografia são representantes ou ícones de um mundo da vida humana e natural marginal, pagão e mestiço que entra na cidade central, católica e branca, através desses barcos de madeira. Seu doce amarelo manga contamina as pessoas com esse mundo escuro e mágico escondido no meio das arvores de manga dos quintais das ilhas do estuário.
Pelo aspecto do contexto no fundo da imagem observa-se que a ação foi registrada numa das ilhas frente da cidade num igarapé pode ser a ilha das Onças ou a Trambioca. O barco virado na direção da jusante do igarapé indica que a maré esta vazando. Esse pano de fundo é característico da totalidade do estuário amazônico.
Ao igual que a continuidade entre as águas do estuário, os furos, igarapés e grandes rios que conformam a planície de inundação amazônica, a continuidade entre o mundo da vida humana e natural somente será garantida se existir uma interdigitação entre as formas vegetais de um mundo e outro, e forem similares preservando as conexões entre a fauna e seus hábitos alimentares e de moradia e dos seres humanos e seus hábitos de alimentação, moradia, lazer e crenças.

        A fotografa reconheceu a importância da relação entre o barco e o canastro de mangas ao compor a fotografia incluindo o barco como fundo de perspectiva e profundidade da ação principal que é a mostra que o homem faz do recipiente com as mangas. Mas será que ela se deu conta de que havia passado a fazer parte do mundo da vida amazônico? Será que a fotografa Madalena Schwartz compro as mangas? Será que o homem deu elas de presente para ela? Um processo de Mercadorização ou de Comunicação construído nesse preciso momento, lugar emateriais.

        Ate quando as mangas e o açaí so vão entrar no porto de Belém, na feira do açaí, será que num futuro não longinquo sera vista a manga Tommy sendo embarcada para ser vendida no interior do estuário, antes produtor de mangas regionais, como resultado final da eliminação das “mangas da terra” da formação estrutural. Ou escutaremos algum cientista afirmando que as manchas na manga Cametá são perigosas para a saúde da população, propalando assim argumentos para a eliminação desta fruta regional do mercado, como já acontece com o açaí.




TORRES, C. VENDEDOR DE MANGA. FOTOGRAFIA A CORES. BELÉM,
BELÉM: ACERVO PESSOAL DO AUTOR. 2003.

        Ate o ano de 2003 as mangas Tommy não tinham entrado na rede de comercio fluvial do estuário. No porto de Icoaraci, na periferia da cidade de Belém, foi registrada a imagem de um homem de aspecto similar ao fotografado por Madalena Schwartz, no seu barco vindo de Abaetetuba trazendo um carregamento de mangas do tipo Cametá. Homem de cabelo curto pela sua aparência ele viajo a noite inteira para chegar em Belém de manha, ela não oferece um canastro de mangas ao fotografo, oferece todo o carregamento de mangas a venda, sem anel matrimonial ele talvez é solteiro ou separado. 

        Quais as diferenças visíveis entre esta imagem e seu ator da imagem captada por Madalena Schwartz em 1981. Pode-se dizer que nenhuma. O barco é de maior porte mas isso não estabelece uma diferença grande. As embalagens utilizadas para transportar a manga são ainda de palha retirada e tecidas na propria propriedade do barqueiro. A presença do pneu velho delata as sobras que a expansão das rodovias vai deixando pela região desde os anos oitenta. O teto do barco fabricado com zinco é bastante similar ao teto do barco da fotografia feita em 1981 revelando a permanência das técnicas de construção de navios na região. Atras do homem na fotografia observa-se um canastro de palha que foi remendado utilizando uma linha de plástico. Na fotografia anterior isto não aparecia, será que é o começo da substituição do material vegetal pelo material plástico nas embalagens de palha.